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Paris, Texas e a nostalgia de coisa nenhuma


A misteriosa banda sonora de Ry Cooder com que se inicia o lendário Paris, Texas (1984), do igualmente lendário Wim Wenders, tem muito que se lhe diga. Uma guitarra confusa lembrando vagamente os velhos westerns, reiterados pela ampla imagem de um deserto texano, dão profundidade a este filme que, na verdade, conta com a imagem mais do que com o diálogo para acentuar a impressão incómoda e melancólica em que mergulha o espectador desde o primeiro minuto.

Contudo, a ilusão western não tarda a dissipar-se, dando lugar, ao invés, a uma ideia de anti-herói: um homem sozinho e a busca da sua identidade, após o fracassar do american dream, ideia recuperada em filmes posteriores como American Beauty (2000).

Na verdade, para aqueles que não apreciam em especial os road movies, esta película pode parecer excessivamente lenta ou monótona inicialmente. No entanto, depressa ficamos a compreender que esse ritmo pausado é imprescindível para digerir não apenas os diálogos, que afinal são poucos (porém marcantes), mas também os sentimentos das personagens, que assimilamos de tal forma que, durante as duas horas e meia de duração do filme (e, quem sabe, até por muito mais tempo) tornam-se os nossos.

Ninguém termina este filme da mesma maneira que o inicia. Eu comecei-o curiosa, expectante acerca do passado enigmático do confuso Travis, que ainda hoje acredito estar presente um pouco em cada um de nós. Terminei-o com uma esquisita sensação que, até hoje, nenhum filme me conseguiu transmitir. Chamo-lhe nostalgia de coisa nenhuma. Já o senti com livros como os da colossal Isabel Allende, com músicas como as do génio Tim Maia, mas nunca com um filme, muito menos um filme que, à partida, nada tem de existencialista.

Erro meu. Dos filmes que já vi (um número que caminha para o razoável), Paris, Texas é um dos mais voltados para a procura de uma identidade e afirmação pessoal num mundo que nos angustia.

Esta história de um pai perdido que reencontra um filho perdido e uma mulher perdida só tem uma dimensão melancólica e nostálgica graças à atuação exímia de Dean Stanton e da incrível aparição na cena final da icónica Natassja Kinski, que despoleta um diálogo dilacerante mas que não cai no sentimentalismo foleiro de levar qualquer um às lágrimas.

A fotografia de Paris, Texas é tão bem conseguida que coloca o espectador a deambular, também ele, nesta paisagem tão árida e despida, como o vazio dentro de Travis. Inquieta qualquer pessoa naquele final intenso: uma conversa sobre duas vidas desfeitas, e um vidro sufocante que as separa para sempre.


Carolina Bastos Pereira

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1 Comment


Elsa Andrade
Elsa Andrade
Nov 18, 2020

Dear Carolina you know how I love Paris Texas. you captured briliantly the sense of nostalgia and melancholia that suffuses this wonderful and unforgetable film, Thank you so much for your insight!!

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