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Elsa Andrade

Mommy, Xavier Dolan

Voltei outra vez a Xavier Dolan. Há muito que queria ver Mommy e consegui-o finalmente. Realizado em 2014 quando o realizador tinha apenas 25 anos, o filme surpreende-nos pela maturidade com que um realizador tão jovem consegue lidar com a temática das relações familiares, algo que já tinha feito em J´ái tué ma mére, considerado um ensaio, um esboço preparatório, para este Mommy. Se Jái tué ma mére lidava com um adolescente que “matou” a mãe, negando a sua existência apesar de ela se encontrar viva, Mommy subverte a premissa inicial e coloca o enfase numa mãe cujo filho, um teenager profundamente problemático, lhe inferniza constantemente a estabilidade e equilíbrio emocionais, levando-a a desejar o seu afastamento, a sua “morte”.

De facto, o filme começa com Diane (Anne Dorval) a ir buscar o seu filho a um centro de reabilitação do qual ele tinha acabado de ser expulso pois, devido ao seu comportamento errático e descontrolado, teria provocado um incêndio que vitimou um outro colega. No decorrer da ação, percebemos que Steve (representado por um incrível Antoine Olivier-Pilon) além de sofrer de ADHD manifesta também problemas de anger management o que o conduz a um comportamento muitas vezes violento e agressivo que parece não conseguir controlar. Diane está longe de encarnar a maternidade de forma mais típica e expectável.

Enveredando frequentemente por um discurso rude, os diálogos que estabelece com Steve oscilam entre ternura e agressividade, num tom considerado inapropriado para qualquer watchdog de “bons costumes”. Estabelecendo amizade com Kyla, (Suzanne Clément) que vive na casa em frente à sua, Diane encontra nesta um apoio para ensinar o filho em home schooling e prepará-lo para os exames. Kyla, tendo sofrido um esgotamento nervoso, é uma professora em sabática, que gagueja e na qual, através das poucas cenas em que a vemos em família, percebemos o afastamento do próprio marido e da filha, algo que nunca é explicado. É com estas duas mulheres que Steve estabelece um vínculo familiar quase idílico, mas simultaneamente frágil sempre à beira da rutura devido ao seu lado irrascível e instável. Sabemos que o pai morreu, que as crises se foram agudizando e que Diane luta para conseguir pagar as contas, acrescidas ainda dos estragos causados pelo comportamento violento que Steve assume desde a morte do pai. A carga erótica está presente na forma livre e física com que Steve se relaciona com a própria mãe e com Kyla e permanece um elemento desestabilizador e subversivo na ação.

Dolan evita o potencial melodramático de toda a narrativa e com uma sensibilidade estética oferece-nos um filme tecnicamente arrojado, com uma banda sonora rica que integra Lana Del Rey até Céline Dion (como bom canadiano). A filmagem na vertical, que omite a parte lateral da imagem aponta metaforicamente para a visão estreita e seletiva de Steve. O momento em que este, andando de skate e sentindo o corpo em liberdade, alarga com as próprias mãos o ecrã abrindo-o em full screen sugere-nos que a imagem é filtrada pela sua perspetiva, um ponto de vista de certa forma egocêntrico e narcisista mas irremediavelmente envolvente e tocante. Ao entregá-lo aos cuidados de um hospital psiquiátrico, num denouement pungente, Diane diz que o faz num ato de esperança e de redenção e é essa a imagem que o filme nos deixa.

Libertando-se de uma camisa de forças Steve corre em slow motion, não sabemos o que acontecerá…supomos que nunca conseguirá escapar. Sobretudo dele próprio. Mas sabemos que é o impulso de liberdade que o move. E acaba assim este filme que lida com a maternidade de forma tão intensa e original, escapando a clichés, a julgamentos, explorando relações que transcendem também elas a camisa de forças do convencional e do expectável.

Hope you feel curious...



Elsa Andrade

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