“Há momentos num jogo em que a bola bate na rede e, numa fração de segundo, tanto pode ir para a frente como voltar para trás. Com um bocado de sorte, vai para a frente e tu ganhas. Ou então não vai, e tu perdes.” Assim inicia o filme Matchpoint, de Woody Allen, através do qual este conseguiu, de novo, confirmar a sua tremenda capacidade de transmitir para a tela uma frustração sua de forma exímia. Com um filme extremamente envolvente cujo tema principal é a importância absurda que o acaso e a sorte podem ter (e têm) na nossa vida, o realizador consegue, de forma verdadeiramente exemplar, atingir o espectador de modo a deixá-lo estupefacto a olhar para o ecrã a pensar no que esteve implícito no desenrolar da ação.
Antes de mais, o filme começa por dar a conhecer essa reflexão principal em torno da qual todo o enredo vai girar. Com uma cena inicial em que a câmara apenas está preocupada em captar o momento final de um jogo de ténis, numa cena em que a rede e a bola tomam total protagonismo acompanhadas pela voz de narração, Allen conquista logo a atenção do espectador de forma simplesmente sublime. Desta forma, consegue imediatamente induzir-lhe um certo sentimento incómodo, que será presença constante ao longo do filme.
Tudo gira em volta de um professor de ténis, Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), que se muda para Londres e começa a dar aulas a um rapaz de uma família bastante abastada, Tom Hewett (Matthew Goode). Assim, acaba por conhecer a irmã desse, Chloe (Emily Mortimer), com quem acabará por se casar. Acontece que Tom está noivo de Nola Rice (Scarlett Johansson), uma atriz sem sucesso norte americana, por quem o protagonista se acaba por apaixonar e com quem manterá uma relação paralela ao casamento. Entretanto a ação desenvolve-se até que Nola engravida e Wilton vê-se envolvido num dilema: deixar a sua vida de rico e juntar-se à amante oficialmente, ou então não. A partir daí há uma série de questões a decorrer até que, por fim, a bola tomba para um dos lados da rede e determina se Chris ganhou, ou não, o jogo. Numa fração de segundo, toda a vida da personagem é determinada e se, por acaso, totalmente por acaso, esse momento tivesse tido o outro resultado possível, toda a vida dele teria tido um rumo diferente.
Efetivamente, arrisco dizer que este filme tem um dos argumentos mais geniais de sempre (a questão do acaso não se terá aplicado na escolha deste filme para o óscar de melhor roteiro original em 2006, penso eu). A profunda reflexão acerca da importância que a sorte tem e, para além disso, acerca da incapacidade total de controlo que temos sobre o acaso, provoca, de facto, uma enorme frustração. Allen mostrou de novo a sua enorme capacidade de pôr qualquer um a pensar através de um filme que alberga uma simbiose perfeita entre a reflexão e a ação que, neste caso, incomoda profundamente, tendo em conta que nos chama à atenção para uma verdade recalcada no subconsciente. E o realizador parece querer vincar isso bem através da própria estrutura do filme, em que o sentimento de incerteza provocado pelo suspense é uma constante. Tanto através da própria ação do filme, como também da excecionalmente escolhida seleção musical que constitui obras de ópera Italiana, como é o caso das de Enrico Caruso. A meu ver, música não só contribui para o ambiente desconcertante do filme, como faz todo o sentido na própria história deste, onde a ópera ocupa também um lugar importante.
Já dos atores, tenho a destacar a prestação de Jonathan Rhys Meyers que foi absolutamente fantástica. O ator foi capaz de transparecer soberbamente aquilo que, na minha opinião, era pretendido. Ele era um elo de ligação entre as duas histórias paralelas e conseguiu aglomerar na sua personagem momentos de extrema tensão e nervosismo e, ao mesmo tempo, de dissimulação. Tal e qual o que a trama pedia. Pessoalmente, quando vejo um filme do Woody Allen estou sempre na expectativa de conhecer a personagem que ele próprio interpreta em muitos dos seus filmes, pois geralmente a sua personalidade baseia-se em mais alguma das suas obsessões e manias que tanto me fascinam, fazem rir e pensar ao mesmo tempo, mas, neste caso, sendo um filme que se afasta um bocado do registo normal do realizador, foi compreensível e não deixou a desejar.
Concluindo, Matchpoint é um filme extremamente essencial onde Allen prova, mais uma vez, a sua genialidade. Partindo já com a vantagem de ser um tema frustrante, o realizador aproveita isso de modo a criar uma esplêndida composição de reflexão e suspense que vai, sem dúvida, atingir quem vê. Seja quem for o espectador, acabará sempre a olhar para o ecrã a pensar “meu deus, mas que genial”. É inevitável. Termino então com uma frase que resume um bocado tudo o que o filme pretende dizer: “I’d rather be lucky than good.” (eu preferia ser sortudo a ser bom). Deixa a pensar.
Luísa Mendonça
Dear Luísa adorei o teu texto e tal como tu sou fã incondicional deste realizador cuja vida pessoal tem sido demonizada. É preciso destrinçar a obra da pessoa e a obra deste senhor é brilhante. Amo este filme, as representações, a forma como a paixão de repente se torna um fardo para as ambições da personagem masculina, a forma como ele aborda a questão do bem e do mal. Parabéns minha linda pela abordagem brilhante.