Beleza, sensibilidade, poesia. De facto, a meu ver, estas são palavras que caracterizam de forma fantástica o cinema Italiano, capaz de um tremendo sentido estético que reside nos cenários, na própria língua, na sensibilidade poética com que os filmes são feitos. Ora, O Carteiro de Pablo Neruda, de Michael Radford e Massimo Troisi, não fica atrás dessa ideia. Aliás, ainda a reforça a conceção de grande beleza da própria essência dos filmes italianos, desde os argumentos inteligentes, aparentemente simples, até aos cenários e bandas sonoras inigualáveis.
Bom, a longa metragem, baseada no livro O Carteiro e o Poeta, do chileno Antonio Skármeta, começa quando o poeta chileno Pablo Neruda (Philippe Noiret) se muda, exilado, para uma ilha pequena italiana, onde mora Mario Ruoppolo (Massimo Troisi). Mario, um homem simples e tímido que no início do filme mal sabe ler e escrever, arranja emprego como carteiro e fica responsável pela entrega da correspondência a Neruda. Assim, fascinado por uma rapariga local, Beatrice (Maria Grazia Cucinotta), pede ajuda ao poeta para este o ensinar a escrever poesia, de modo a conseguir conquista-la e expressar-se por via da beleza das “metáforas”. Assim se desenvolve uma amizade improvável muito interessante.
Este é, sem dúvida, um dos filmes em que a beleza natural das cenas, que contam com os cenários das ilhas Procida e Salina, ambas no sul de Itália, complementam na perfeição o argumento, também extremamente interessante, que aborda a poesia subentendida à nossa volta e o que ela pode influenciar a nossa visão sobre o mundo. A nossa sensibilidade para o belo nas coisas mais simples, que, neste caso, se alcança pela poesia. Os planos de camera utilizados também tiram o maior proveito da beleza natural dos cenários, fazendo com que a atenção do espectador se foque no quão bela é, neste caso, a natureza e os seus pormenores, algo que, por vezes, até nos pode passar ao lado no dia a dia.
Pessoalmente, considero a parte final das cenas mais bonitas, quando o protagonista grava o que considera ser “as maravilhas” da sua região. Acaba gravando precisamente as coisas mais simples, como as ondas ou o som dos arbustos, sendo esta uma das maiores provas das consequências que a poesia e o poeta tiveram, de facto, sobre o olhar do protagonista sobre o mundo, permitindo-o aperceber-se e apreciar as mais simples formas de expressão de beleza, procurando usar a poesia para as imortalizar.
A banda sonora composta por Luis Bacalov provou ser, de facto, merecedora do óscar de melhor trilha sonora original, visto que é daquelas situações em que esta encaixa como uma luva na ação e no cenário italiano, tendo conseguido, de forma brilhante, vincar a harmonia entre a ação, as personagens e o cenário. Leve, simples, envolvente, capaz de pegar no espectador e faze-lo sentir uma certa nostalgia pelos cenários e pela história das personagens, sonorizando a beleza do filme. Tinha, obrigatoriamente, que ser esta a banda sonora e Luis Bacalov percebeu-o e conseguiu-a de forma exímia.
Já em relação aos atores, tenho a destacar a prestação de Massimo Troisi, que foi absolutamente genial.
Conseguiu encarnar a personagem de Mario Ruoppolo de uma forma que, sem ele, dificilmente seria possível. Das simples expressões faciais, à forma de falar, simplesmente perfeito. O ator, tendo evitado uma operação ao coração para poder filmar este que viria a ser o seu último filme e, na minha opinião, obra prima, faleceu no dia seguinte ao fim das gravações, o que prova o ator e a pessoa fora de série que era Troisi. Porém, a sua imortalidade está garantida com esta obra que conseguiu (e continuará a conseguir) deixar uma marca belíssima nas pessoas e no mundo.
Em conclusão, Il Postino, filme definido pela palavra “beleza”, é de uma sensibilidade notável, com todos os fatores que contribuem para a harmonia perfeita a que o cinema italiano tanto nos habituou. É uma obra cinematográfica que nos deixa a pensar acerca da beleza essencial das coisas e da vida, e em como a poesia pode ter um papel preponderante na forma como olhamos e encaramos o mundo e na marca que deixamos nele. É um filme simplesmente lindo, que marca quem o vê e que ficará para a história por isso.
Luísa Macedo Mendonça
Dear Luisa o teu comentário, como sempre foi perspicaz e acutilante. Gostei da forma como falaste não apenas das performances, que são de facto maravilhosas, mas também da beleza das paisagens e da forma como o filme nos faz viajar por essas mesmas paisagens. A ideia da poesia nas mais pequenas coisas, o poder (e o perigo!) das metáforas na paixão. A forma como Neruda consegue ensinar àquele carteiro, homem simples , uma nova forma de olhar o mundo, atenta ao detalhe, ao poder das palavras e da beleza que elas podem transportar. E, olha, não sabia que o ator que faz de carteiro tinha morrido após as filmagens. Thank you!