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Através de Um Espelho - Ingmar Bergman

“Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida” – José Saramago.


Tudo vai dar a Bergman, ou Bergman vai dar a tudo?

Assim nos sentimos todos em relação aos existencialistas, esses ambiciosos que nos tiram o sono.

Através de um espelho, de 1961, é um filme angustiante e que nos inquieta (não são esses os melhores?). Desde as relações familiares conturbadas à exploração de um tema que tem muito que se lhe diga – a loucura -, tudo em Bergman e nesta película em especial prende o espectador ao ecrã.

Mas quem são os loucos? São os doidos que falam com as paredes, ou somos todos nós?

Ser louco é ver-se ao espelho e sair de si mesmo. Através de um espelho, vejo-me a mim e vejo outra pessoa, o eu refletido deixa de ser eu, porque eu sou o eu que vê e não o que é visto. Karin, doente mental e personagem principal, sai de si e volta a si, vive “em dois mundos”, nas suas próprias palavras, atormenta-a viver assim, dentro e fora, sempre.

No entanto, paradoxalmente, o pai de Karin, David, escritor depressivo e suicida, vive, também ele, atormentado, porque “é forçado a viver na realidade”. Todo o homem precisa de uma escapatória do real. A de David é a Arte, a de Karin é Deus.

Ingmar Bergman fundiu Deus com a loucura. Quando Karin tem um surto psicótico, ouve vozes que lhe dizem para esperar por Deus, ele vem, está quase aí. Karin sai de si e o que encontra é esperança.

José Luís Peixoto escreveu: “antes da existência está a esperança […] Se há proposta de vida, essa certeza contém esperança. Sem esperança, há apenas morte: no presente e no futuro. […] negar esperança é uma ação contra a natureza”.

Assim sendo, qual a resposta? Quem são os loucos? Parece evidente.

Todo o Homem tem esperança. Deus é apenas um dos nomes que lhe dão. David chama-lhe amor, Bergman chama-lhe loucura. O Homem tem ambos, e, acima de tudo, tem esperança.


Carolina Bastos Pereira

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1 Comment


Primeiro Take
Primeiro Take
Dec 29, 2020

Carolina, como sempre, tens uma visão acutilante de Bergman. Este filme é inquietante, perturbador, explorando a questão da saúde mental e as relações familiares de uma forma inteligente e sensível. Adore o teu texto e as referências literárias. Maravilhoso!

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