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Alma portuguesa, voz inglesa

Falemos do filme que arrecadou diversas distinções no festival de Veneza, entre tantos mais aplausos. Algures nos subúrbios londrinos, longe dos cenários hollywoodescos que invadem o comum dos ecrãs, toma lugar o filme Listen, por mão de Ana Rocha, recém-quadragenária realizadora portuguesa. Nuns breves, porém intensos, setenta e três minutos, esta obra narra o drama de uma família portuguesa emigrada no Reino Unido. O casal do filme, Bela e Jota, trava uma luta constante pela subsistência dos três filhos e pelo fim de cada mês. Os sucessivos contratempos económicos, motivados pela precariedade profissional (rendimento escasso e atraso no pagamento) do casal, foram complicando cada vez mais a vida familiar, levando a que Bela furtasse bens de consumo numa pequena mercearia para garantir a alimentação das filhas, Lu e Jessy. Os repetidos atrasos de Lu à escola, bem como a avaria detetada no aparelho auditivo possuído pela mesma, chamaram a atenção dos serviços sociais ingleses. Certa tarde, às dezasseis horas, tal qual previamente acordado, a família esperava uma visita burocrática e rotineira por parte do serviço social inglês, porém rapidamente viu tratar-se de uma ordem de retirada dos filhos por suspeitas de maus-tratos. Mesmo entre berros, lágrimas e perguntas sem resposta, Bela e Jota viram-se privados de Diego (filho de doze anos), Lu (filha de sete anos) e Jessy (filha ainda bebé). No entanto, determinados a recuperar a custódia dos filhos, os pais recorrem a Ann Payne, uma ex-assistente social, para que esta os ajude a reverter a situação de adoção forçada, em que as crianças se viam emaranhadas. Na procura de equilíbrio entre emoção e razão, Bela e Jota levam a questão a tribunal para que a justiça dite o desfecho final do pesadelo que os assombra. Esta longa-metragem é um importante alerta para a necessidade de apoio das famílias estrangeiras e para a denúncia da frieza e impiedade dos serviços sociais face a questões mais sensíveis.

Desengane-se quem pensa que este filme é um descontraído café de domingo ou uma solarenga manhã de esperança. Este é um filme que dói de tão triste, comove de tão severo. É uma obra árida mas necessária, cruel porque real, ovacionada não pela estética do argumento mas sim pela subtileza das metáforas e dos sinais reveladores da tragédia humana. Dos que não têm voz aos que a têm e usam para manter o silencio dos demais, Listen é um filme que pede para ser ouvido. Ouçamo-lo.


Rosa Mendonça

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